Disparada: Uma denuncia contra a cadeia produtiva agropecuária
10/12/2012
“Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei”
Em 1966, dois anos após a criação do Estatuto da Terra, a moda de viola “Disparada”, composição de Geraldo Vandré e melodia de Theo de Barros (1943) dividiu o título de campeã do II Festival de Música Popular Brasileira da Rede Record, com a musica “A Banda” do noviço Chico Buarque de Holanda.
A canção de Vandré, imortalizada na voz de Jair Rodrigues, em tom sóbrio, ecoou pelas décadas seguintes, incutindo na consciência de todos que pouco importa quem são os ocupantes do poder, déspotas, intelectuais ou trabalhadores, com ou sem poderio militar, mas que a nenhum deles é concedido tratar gente como gado destinado ao abate.
Já na década de 90, ou seja, mais de um século após o afundamento do último navio negreiro um grupo de representantes de trabalhadores, sabedor dos desmandos exploratórios impostos a jovens obreiros, percebeu que “a morte, o destino, tudo” ainda estavam fora de lugar.
Deu-se início a uma batalha inglória, que se trava através dos tempos, sem que se anuncie o seu fim.
Por todos os meios, foram evocados os poderes dos mais diversos senhores de destinos, cobrando-lhes postura que diminua os efeitos da opressão promovida pelos “donos de gado e gente”, capaz de impingir às pessoas, a crença de que perderam ou jamais possuíram qualquer partícula de dignidade.
Fiscais, juízes, delegados e promotores pouco fizeram, seguiram suas vidas inertes, vendo “a morte sem chorar”.
Por todos os meios, estas autoridades concederam o salvo conduto aos que aprisionam e desesperança aos que são prisioneiros. E mais, chamaram de anacrônicos os combatentes de espírito livre, ceifando-lhes a unidade, os bens e a palavra.
São estes senhores de destinos que hoje não denominam de “escravo” aqueles que podem simplesmente se locomover, primam por demonstrar jamais ter compreendido um nada, qual possa ser a verdadeira dimensão do termo que tão bem foi definido na pena de Cecilia Meirelles:
“…Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda…”
“A morte, o destino, tudo” permanecem fora de lugar.
Em 06 de dezembro de 2012, o corpo jurídico do Sindicato dos Empregados de Hotéis e Restaurantes, inspirado pelas palavras de Vandré, definitivamente “se montou” e desenvolveu a sua mais completa composição: o pedido de abertura de inquérito contra a cadeia produtiva da alimentação, denunciando ao Ministério Público Federal todas as empresas que desde o momento da produção até o da distribuição, por qualquer forma exploram os seus empregados, impondo-lhes uma condição análoga à de escravo.
Para a produção desta peça jurídica, levantou-se todo um arcabouço jurídico-doutrinário, assim como uma quantidade infindável de material jornalístico, cujo fito foi denunciar esta prática verdadeiramente retrógrada que infelizmente ainda é encontrada nos dias de hoje, por mais que o cidadão comum possa duvidar da existência, e que a sociedade como um todo possa lhe repudiar a utilização.
Apesar de serem inúmeros os questionamentos daqueles cidadãos comuns que comentam as matérias, a respeito do retardamento na solução do problema, não há quem indique que desta vez será diferente, que a situação será finalmente revertida. Mas há sim uma certeza, que é a de que não será apenas aqui que se cantará esta canção.
Nossa equipe não descansará, não viverá em paz um instante sequer até que seja colocado um fim nesta anomalia que atenta contra a própria essência da HUMANIDADE e denigre a imagem de nossa nação. Este trabalho não cessará enquanto a situação não estiver finalmente resolvida, posto que ainda que o aparato estatal, que deveria ter objetivos libertários, esteja funcionando mal, nós vivemos “para consertar”.
Antonio Carlos Nobre Lacerda
Advogado responsável pelo Departamento Jurídico do SINTHORESP
* Clique aqui para ver na íntegra da denúncia protocolada no Ministério Público Federal.
**Clique no link abaixo caso queira ouvir a interpretação de Jair Rodrigues da musica “Disparada”.
***Mais adiante a letra completa da canção de Geraldo Vandré.
http://www.youtube.com/watch?v=82dRs2z6iQs
Prepare o seu coração prás coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar
Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei
Então não pude seguir valente em lugar tenente
E dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto prá enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei
****Veja ainda os documentários
Moendo Gente
http://moendogente.org.br/#lat=-23.378341326108415&lng=-49.881663489746245&zoom=5
Jornada Criminosa – Um cardápio de escândalos