Parte ou toda a taxa de 10%, não obrigatória, vai muitas vezes para o caixa do restaurante
Processos no Tribunal Regional do Trabalho de SP relatam queixas de garçons quanto ao desconto ou não repasse integral da caixinha
DANIEL BERGAMASCO DA REPORTAGEM LOCAL
Você sabe o que acontece com a taxa não obrigatória de gorjeta, quase sempre de 10%, que os clientes pagam em bares, restaurantes e cia.? Segundo milhares de garçons e empregados da área, parte ou todo esse dinheiro, muitas vezes, vai para o bolso do patrão. No Estado de São Paulo, tramitam hoje pelo menos 7.000 processos com queixas sobre gorjetas, segundo o Sinthoresp, sindicato da categoria. Nas ações, individuais ou coletivas, empregados dizem que: A) A casa toma parte ou toda a gorjeta pra si; B) O valor é usado para cobrir gastos como louças quebradas; C) A casa repassa a gorjeta, mas não a usa para cálculo de direitos, como férias. Os empresários costumam se queixar que já têm despesas demais e que atender aos pedidos prejudicaria o negócio. As decisões judiciais sobre quem está certo na briga variam, ora contemplando o empregado, ora o empregador. Segundo representantes dos dois lados, contribui para isso a falta de clareza nas leis trabalhistas. É por isso que faz barulho um projeto de lei federal, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que regulamenta a gorjeta, obrigando o repasse a funcionários após retenção de um quinto do valor para encargos. Um garçom de grande churrascaria paulistana -cujos donos não foram localizados- mostrou à Folha seu contracheque, que anota R$ 100 como “estimativa de gorjeta”. Segundo ele, a casa não lhe repassa nenhum centavo dos 10%, restando só o salário de R$ 700.
Em pratos limpos O Sinthoresp trabalha pela aprovação da lei da gorjeta. Já a Associação Nacional de Restaurantes diz que esse quinto não cobre os encargos. A entidade patronal, contudo, não recomenda usar o dinheiro para outros fins, com a conclusão de que o cliente paga algo não obrigatório para brindar os empregados e não para fazer uma doação à casa. O chef Benny Novak, dono do francês Ici Bistrô, tem visão diferente e separa um quinto da taxa de serviço para repor gastos como talheres perdidos. “O lucro é apertado, não dá para arcar com isso sozinho”, diz ele. Nos restaurantes Rascal, a discordância é sobre incluir os 10% no contracheque. Quando a conta é paga com cartão, a gorjeta é descrita como “troco” na nota fiscal, para que, afirma, o dinheiro fique livre para o garçom. O Sinthoresp refuta a tática -diz que ela dificulta comprovar o recebimento em ações trabalhistas. Ex-garçom, Antônio Ademar de Carvalho, 68, conseguiu acordo com o antigo empregador, após processá-lo. Com a soma de direitos trabalhistas sobre gorjetas e reparação do que era descontado (copos quebrados etc), ele recebeu R$ 20 mil. “Queria mais, mas fiquei feliz”.
Patrões são contra encargo sobre a taxa
DA REPORTAGEM LOCAL
Representante dos empregadores na briga da gorjeta, a ANR (Associação Nacional dos Restaurantes) contratou um escritório para fazer lobby, na Câmara e no Senado, de sua visão sobre a taxa de serviço. A maior preocupação é o projeto de lei do deputado Gilmar Alves Machado (PT-MG), aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que prevê que garçons e outros funcionários do setor fiquem com toda a gorjeta, exceto um quinto dela, usada pelos patrões para pagamento de encargos trabalhistas. A ANR não concorda com a proposta do deputado, que, para virar lei, terá de ser aprovada pelo Senado e pelo presidente da República. “Gorjeta não é parte do pagamento, ela faz parte de uma relação entre o empregado e o cliente. Não concordamos com o desconto de encargos trabalhistas”, diz Rubens Pontes, diretor-executivo da entidade. Para ele, além da discordância conceitual, a quinta parte da gorjeta que é oferecida para ajudar no pagamento de encargos é “insuficiente”. Ele cita que o próprio Sinthoresp (Sindicato dos Trabalhadores de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares) costuma fazer acordos coletivos em que o estabelecimento pode usar 30% da gorjeta para esse fim. Para Pontes, se os trabalhadores querem ter uma aposentadoria mais próspera, deveriam ampliar sua contribuição e não contar com a incorporação da gorjeta aos vencimentos. Por outro lado, diz, despesas do restaurante devem ser cobertas pelo dono. “Se o contrato disser que bens danificados pelo empregado devem ser restituídos por ele, o desconto deve ser feito do salário”, diz. A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) tem entendimento semelhante ao da ANR. “O que for dos 10% deve ir integralmente para os funcionários. O empregador não precisa ficar com nada, mas não dá para o restaurante ser onerado pela gorjeta recebida”, diz Percival Maricato, diretor jurídico da entidade. Até casas que não cobram taxa de serviço dos clientes são alvo de ações judiciais. No início do ano, ganhou repercussão o caso da choperia Opção, nos arredores da avenida Paulista, condenada a repassar 10% das contas a seus funcionários. O estabelecimento -que, procurado pela reportagem, não se pronunciou- argumentou em juízo que não cobrava essa taxa de clientes. A Justiça, contudo, entendeu que o valor estava camuflado como acréscimo de produtos em pratos solicitados, que chamava de “PLU 39” e totalizava 10% dos pedidos, o mesmo que é geralmente cobrado em gorjetas.
Garçom leva R$ 7 mil por ficar sem caixinha
DA REPORTAGEM LOCAL
Há quase 30 anos trabalhando em restaurantes e hotéis, antes como faxineiro e hoje como garçom, Honorato Soares de Moura, 46, reformou recentemente a casa, em Osasco, na Grande São Paulo. A verba, ele conta, veio dos cerca de R$ 7.000 que ganhou na Justiça devido ao período de mais de um ano em que um hotel onde trabalhava não lhe pagou gorjetas. “O processo levou uns quatro anos, mas valeu a pena. É preciso ir atrás dos direitos. Os garçons temem questionar os patrões e ser reprimidos”, diz ele, que chegou na adolescência a São Paulo, vindo do Rio Grande do Norte. Ao seu lado, o amigo Wilson França Guimarães, 43, também garçom, tenta seguir seu exemplo e correr atrás da gratificação perdida. Está processando um bufê que, diz ele, cobrava taxa de serviço de 10% dos clientes e não repassa esse valor aos funcionários. “E não é só essa taxa que ficava com o contratante. Muitas vezes, o pai de uma noiva ou o empresário que fazia um evento deixava R$ 1.000, R$ 5.000, R$ 10 mil para distribuir aos garçons da festa e não chegava nada na nossa mão”, reclama. “Isso não é exceção no mercado e acontece nos bufês e restaurantes mais chiques”, diz. Procurados desde quinta-feira, feriado, os réus dos dois processos não responderam aos telefonemas da Folha.
Lucro é pequeno, diz dono de restaurante
DA REPORTAGEM LOCAL
O chef Benny Novak pede que ninguém se iluda com o camarão ao molho bisque de R$ 69 servido no francês Ici Bistrô. Dono também da Tappo Trattoria, ele diz que a margem de lucro é “apertada” e que uma parte da taxa de 10% deve, sim, ajudar a subsidiar louças quebradas ou garfos desaparecidos. Além disso, é contra a incorporação das gorjetas para cálculo, por exemplo, de férias e 13º salário.
FOLHA – Como é a distribuição da gorjeta no Ici? BENNY NOVAK – Hoje em dia, dos 10% recebidos pela casa, 8% vão para os funcionários e 2% entram para um caixa de quebras e compras, como talheres que somem, louças quebradas.
FOLHA – Como vê o recolhimento de encargo sobre gorjetas? NOVAK – Isso vai encarecer demais [os pratos] e o maior prejudicado seria o comensal, porque você vai ter que subir o preço no seu cardápio. Não inviabilizaria o serviço, mas encareceria ter que pagar encargo sobre uma gorjeta que, na verdade, não é nem obrigatória. FOLHA
– O sindicato da categoria argumenta que, não havendo cobrança de encargo, garçom se aposenta com padrão bastante inferior ao que tem na ativa. NOVAK – São regras que caminham com o restaurante há cem anos. Sempre foi assim. Eu nem sei como faria isso, porque não dá para prever o movimento. Em restaurante, hoje você recebe cem pessoas e, amanhã, recebe 30. Como saber o valor da “caixinha” que a equipe vai receber?
FOLHA – Em caso de aprovação do projeto de lei, como você fará? Reduzirá a margem de lucro? NOVAK – O pessoal vê restaurante lotado e acha que o cara [o dono] está milionário, mas trabalhamos com um lucro apertado. Trabalhamos 24 horas por dia, não dá para não ganhar nada. Se a lei entrar em vigor, teremos que fazer cálculos para não onerar o comensal, que é quem mais vai sofrer com isso. A pessoa fala: “Você vende macarrão, que é farinha e água, a R$ 30”, mas ela não está olhando para o resto. Só de encargo trabalhista é uma loucura, fora aluguel, insumos… Não posso pegar foie gras, que custa R$ 200 o quilo, e vender uma fatia a R$ 120. A margem de lucro é pequena hoje em dia [para não lesar o cliente].
Frase
“Em restaurante, hoje você recebe cem pessoas e, amanhã, 30. Como saber o valor da “caixinha” que a equipe vai receber?” BENNY NOVAK chef do Ici Bistrô
——————————————————————————– Redação Terra
SP tem 7 mil processos de garçons para reaver gorjeta
12 de julho de 2009 • 10h02 • atualizado às 10h09
Pelo menos 7 mil ações tramitam no Estado de São Paulo com queixas de garçons sobre o destino dado às gorjetas recebidas em bares e restaurantes, segundo informou o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio e Serviços em Geral de Hospedagem, Gastronomia, Alimentação Preparada e Bebida a Varejo de São Paulo (Sinthoresp). A informação é da Folha de S.Paulo.
As principais reclamações dos garçons são de que a casa fica com parte da gorjeta, usa o valor para repor louças quebradas ou repassa o dinheiro, mas não o usa posteriormente em cálculos de diretos.
No dia 16 de junho, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou em caráter conclusivo, o projeto de lei que regulamenta a gorjeta paga pelos consumidores em bares, restaurantes e similares.
A proposta também estabelece que a gorjeta será incorporada aos salários dos trabalhadores do estabelecimento como garçom, cozinheiro, copeiro etc. A medida determina que, na carteira de trabalho, será registrado o salário do trabalhador mais a gorjeta.
O Sinthoresp deseja a aprovação da lei, enquanto que a Associação Nacional de Restaurantes afirma que os 20% que a empresa pode usar para pagamento das obrigações sociais dos trabalhadores não cobre os encargos.
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12/07/2009 – 09h36
Justiça de São Paulo tem 7.000 ações contra confisco de gorjeta
da Folha Online
Reportagem da Folha deste domingo (exclusiva para assinantes do jornal ou do UOL), mostra que o Estado de São Paulo tem ao menos 7.000 processos de garçons e profissionais similares contra empregadores que não repassam na íntegra –ou até menos nenhuma parte– da gorjeta, na maioria das vezes de 10% cobrada pelos estabelecimentos.
Um projeto de lei federal, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, regulamenta a gorjeta, obrigando o repasse a funcionários após retenção de um quinto do valor para encargos.
O repórter Daniel Bergamasco mostra na reportagem que empregados e patrões divergem sobre o destino da gorjeta. Milhares de garçons e empregados da área reclamam que parte ou todo esse dinheiro, muitas vezes, vai para o bolso do patrão.
Já os empregadores se queixam da quantidade alta de despesas e que atender à reivindicação da classe prejudicaria o negócio. As decisões judiciais, como mostra a reportagem, variam sobre quem está certo nas queixas.
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Confisco de gorjeta rende 7.000 ações na Justiça
Folha de S. Paulo
Você sabe o que acontece com a taxa não obrigatória de gorjeta, quase sempre de 10%, que os clientes pagam em bares e restaurantes? Segundo milhares de garçons e empregados da área, parte ou toda essa grana, muitas vezes, vai para o bolso do patrão.
No Estado de São Paulo, tramitam hoje pelo menos 7.000 processos com queixas sobre gorjetas, segundo o Sinthoresp, sindicato da categoria. Nas ações, individuais ou coletivas, empregados dizem que: a) a casa toma parte ou toda a gorjeta pra si; b) o valor é usado para cobrir gastos como louças quebradas; c) a casa repassa a gorjeta, mas não a usa para cálculo de direitos trabalhistas, como férias.
Os empresários costumam se queixar que já têm despesas demais e que atender aos pedidos prejudicaria o negócio. As decisões judiciais sobre quem está certo variam, ora contemplando o empregado, ora o empregador. Segundo representantes dos dois lados, contribui para isso a falta de clareza nas leis trabalhistas.
É por isso que faz barulho um projeto de lei federal, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que regulamenta a gorjeta, obrigando o repasse a funcionários após retenção de um quinto do valor para encargos.
Um garçom de grande churrascaria paulistana –cujos donos não foram localizados– mostrou à reportagem seu contracheque, que anotaR$ 100 como “estimativa de gorjeta”. Segundo ele, a casa não lhe repassa nenhum centavo dos 10%, restando só o salário de R$ 700.
Em pratos limpos O Sinthoresp trabalha pela aprovação da lei da gorjeta. Já a ANR (Associação Nacional de Restaurantes) é contra: diz que esse quinto não cobre o que será gasto com encargos.
A entidade patronal, contudo, não recomenda usar o dinheiro para outros fins, com a conclusão de que o cliente paga algo não obrigatório para brindar os empregados e não para fazer uma doação à casa. O chef Benny Novak, dono do francês Ici Bistrô, tem visão diferente e separa um quinto da taxa de serviço para repor gastos como talheres perdidos. “O lucro é apertado, não dá para arcar com isso sozinho”, diz ele.
Nos restaurantes Rascal, a discordância é sobre incluir os 10% no contracheque. Quando a conta é paga com cartão, a gorjeta é descrita como “troco” na nota fiscal, para que, afirma, o dinheiro fique livre para o garçom, como um presente do cliente.
O Sinthoresp refuta a tática –diz que ela dificulta comprovar o recebimento em ações trabalhistas. Antônio Ademar de Carvalho, 68 anos, conseguiu acordo com o antigo empregador, após processá-lo. Com a contabilização de direitos trabalhistas sobre gorjetas, fez o acerto aumentar em R$ 10 mil. “Eu queria mais, mas fiquei feliz.”
Patrões criam lobby para atuar contra projeto de lei
Folha de S. Paulo
Representante dos empregadores na briga da gorjeta, a ANR (Associação Nacional dos Restaurantes) contratou um escritório para fazer lobby, na Câmara e no Senado, de sua visão sobre a taxa de serviço.
A preocupação é o projeto que prevê que garçons fiquem com toda a gorjeta, exceto um quinto dela, usada pelo patrão para pagar encargos trabalhistas. “Gorjeta não é parte do pagamento, faz parte da relação entre o empregado e o cliente. Não concordamos com o desconto de encargos trabalhistas”, diz Rubens Pontes, diretor-executivo da ANR.
Para ele, a quinta parte da gorjeta que é oferecida para ajudar no pagamento de encargos é “insuficiente”. Ele cita que o próprio Sinthoresp (sindicato dos trabalhadores de bares e restaurantes) faz acordos coletivos em que o comércio pode usar 30% da gorjeta para esse fim.
Por outro lado, diz, despesas do comércio ficam por conta do dono. “Se o contrato disser que bens danificados pelo empregado devem ser restituídos por ele, o desconto deve ser feito do salário”, diz.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) tem um entendimento semelhante ao da ANR. “O que for dos 10% deve ir integralmente para os funcionários. O empregador não precisa ficar com nada, mas não dá para o restaurante ser onerado pela gorjeta recebida”, afirma Percival Maricato, o diretor jurídico da entidade.
Garçom reformou a casa com dinheiro recuperado
Folha de S. Paulo
Há 30 anos trabalhando em restaurantes e hotéis, antes como faxineiro e hoje como garçom, Honorato Soares de Moura, 46 anos, conseguiu reformar recentemente a sua casa, na cidade de Osasco (Grande SP).
A verba, conta, veio dos cerca de R$ 7.000 que ganhou na Justiça devido ao período de mais de um ano em que um hotel onde trabalhava não lhe pagou gorjetas. “O processo levou uns quatro anos, mas valeu a pena. É preciso ir atrás dos direitos. Os garçons temem questionar os patrões e serem reprimidos”, diz ele.
O amigo de Moura, Wilson França Guimarães, 43 anos, também garçom, tenta seguir seu exemplo e correr atrás da gratificação perdida. Está processando um bufê que, diz ele, cobrava taxa de serviço de 10% dos clientes e não repassava o valor aos funcionários. “E não é só essa taxa. Muitas vezes, o pai de uma noiva ou um empresário que promovia um evento deixava R$ 5.000, R$ 10 mil para distribuir aos garçons da festa, mas não chegava nada na nossa mão”, reclama. A reportagem não conseguiu contato com os dois réus dos processos para que comentassem o assunto.
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Ex-garçom Antônio Ademar de Carvalho, 68, processou antigo patrão e recebeu R$ 20 mil——