Não causa espanto a posição do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho em relação à reforma trabalhista, como aquela reafirmada na entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo nesta segunda-feira (06/11/2017) (acesse aqui). No ambiente acadêmico e pragmático que cerca o Direito do Trabalho, o Presidente da mais alta corte da Justiça do Trabalho teceu em inúmeras outras oportunidades a concordância e o apoio irrestrito à “modernização” da CLT. Já não era para ser mais uma novidade a sua posição, tampouco serve para reativar um debate que teria que ter sido feito no processo legislativo, ou sob a égide da participação dos próprios trabalhadores nas discussões que antecederam a aprovação do projeto de Lei 13.467/2017.
Entretanto, as posições adotadas, quando partiram do plano teórico-legal para o plano fático, a citar como exemplo o trabalho dos garçons como uma profissão a ser beneficiada com a reforma trabalhista, demonstra um total desconhecimento da rotina da profissão e, em certa medida, direcionou a profissionais que passam a vida servindo e pouco sendo servidos, em que a cordialidade inata a essa profissão garantiria, tal como a relação entre cliente e garçom, uma submissão sem uma adequada resposta.
Ao contrário do exemplo citado pelo senhor ministro “Chefe” do Tribunal Superior do Trabalho, os garçons serão prejudicados com a nova legislação trabalhista a partir do modelo de contratação intermitente.
Intermitente, no dicionário do garçom, será sinônimo de insegurança, de incerteza, de dúvidas, pois o trabalhador sempre ficará na expectativa de ser chamado pelo seu empregador, quando este precisar ou quiser.
Não há a garantia de horas mínimas a serem realizadas pelo trabalhador e, portanto, o trabalhador nesse modelo de intermitência jamais terá condições de saber de forma antecipada quanto será a sua remuneração no mês.
Atualmente circularam pela internet anúncios feitos por empresas para se contratar garçons para trabalhar aos finais de semana por apenas R$ 4,25 por hora, o que significa dizer, no melhor cenário nesse mundo, que trabalhador que laborar por 8 horas aos finais de semana terá uma remuneração de incríveis R$ 272,00 por mês.
No atual modelo adotado, com todas as suas imperfeições, trabalhar em um evento de forma avulsa e informal garante ao garçom um valor médio de R$ 80,00 a R$ 100,00, ou seja, em 2 eventos durante um final de semana, um trabalhador garantiria o valor de R$ 160,00 a R$ 200,00, com uma remuneração média de R$ 640,00.
Assim, se o objetivo do legislador foi dar ares de modernidade às relações trabalhistas, do outro lado do balcão, o pragmatismo do mercado de trabalho levará, invariavelmente, a uma recusa do trabalhador em receber a quantia “legal” ofertada e, novamente, passará a aceitar o chamado pagamento “por fora”, caindo na vala comum da antiga informalidade. Assim, a Justiça do Trabalho mais uma vez será utilizada como um coliseu, onde os governantes assistem impassíveis aos horrores cometidos, torcendo sempre para os leões.
Esse seria o primeiro fato notório que se descola da realidade que cerca a profissão de um garçom. O segundo fato a demonstrar uma visão míope dos artífices e representantes do Estado desprezou a principal fonte de remuneração do garçom ao vincular o trabalho intermitente ao seu labor: a gorjeta.
A gorjeta, fonte de discórdia entre trabalhadores e empregadores, em certa medida por uma prática de décadas de uma apropriação indevida e de ganância de certos empresários, é a principal fração do componente da remuneração do garçom. Como gerir, sob a égide do trabalho intermitente, a quantia devida ao trabalhador contratado sob esse regime ao final do mês, uma vez que o valor devido será o total dividido entre todos os profissionais que compõem o staff de um restaurante?
Não é demasiado lembrar que o horário intermitente tão elogiado pelo Presidente do TST, também conhecido como jornada móvel e variável, foi instrumento de precarização de trabalhadores no Brasil por mais de vinte anos, por uma das maiores redes de lanchonete no mundo. Aliás, esse modelo de retrocesso, defendido pelo Presidente da mais Alta Corte Trabalhista, de forma paradoxal foi rechaçado pelo Poder Judiciário, porquanto a gigante transnacional do setor de lanchonete está absolutamente proibida de praticá-la, resultado da Ação Civil Pública nº 0001040-74.2012.5.06.0011, proposta pelo Procurador do Trabalho Leonardo Osório Mendonça, do estado de Pernambuco.
E por tal razão é que, nos bastidores do Congresso, o protejo da reforma trabalhista que tratava da jornada intermitente foi apelido de “jornada Mcdonald´s”.
Também não se pode olvidar que no setor de hotelaria e gastronomia é notável que existam oscilações conhecidas no volume da demanda, a exemplo dos “happy-hours” das sextas-feiras, dos jantares de sábados, após cinemas ou teatros e almoços de domingo, além de que o fluxo de demanda pode ser vinculado a datas específicas, como por exemplo, o dia das mães, o dia dos namorados, o dia dos pais, natal e fim de ano, resolvendo o problema apenas de um lado da relação que, no caso, é o empregador.
A necessidade do empregado não é intermitente, ele precisa sobreviver e alimentar seus familiares todos os dias, pagar as contas, etc.
O modelo, portanto, favorece unicamente às empresas do ramo, tornando adequada apenas e unicamente a relação dos consumidores com estes empresários, que no momento de maior procura providenciam uma quantidade maior de prestadores de serviço como se insumos iguais aos demais fossem.
Outro ponto ignorado pelo senhor Ministro nessa questão, é o critério de confiança existente na relação empregador-empregado, que significa dizer, o empregador espera e confia que o seu empregado, contratado para realizar a jornada intermitente, esteja sempre à sua disposição, não se comprometendo com outros empregadores do setor.
Assim, mesmo sem ter a certeza que ele será convocado para trabalhar, o garçom não procurará outro emprego, pois terá medo de ser preterido por outros trabalhadores naquela empresa, vivendo em uma espécie de clausura da necessidade laboral.
A pergunta que deve ser feita ao Presidente do TST é como um trabalhador, no caso específico do garçom, poderá sustentar a si e seus familiares com dignidade, comendo o pão através do esforço do suor do seu próprio rosto, quando não se saberá se ele trabalhador irá ao menos suar.
A propósito, a reforma trabalhista é uma estrada perigosa e desabitada, e conforme Marcos 8:4: “Onde, neste lugar desabitado, seria possível alguém conseguir pão suficiente para alimentar a todos?”